Litíase urinária

O que é litíase urinária?

Litíase ou cálculo são termos utilizados para designar formações pétreas de composições diversas (cálcio, colesterol, urato, etc.) no organismo humano. A litíase urinária é uma desordem do trato urinário que ocorre devido a formação de cálculos que se agregam de forma sólida, sendo denominados como urólitos e/ou cálculos urinários. 

O surgimento de cálculos nas vias excretoras urinárias pode se manifestar clinicamente como quadro doloroso agudo de origem no trato urinário, acompanhado ou não de hematúria (presença de sangue na urina). A intensidade e a localização da dor dependem do grau de obstrução ao fluxo urinário, decorrente do tamanho do cálculo e de sua localização.

Os cálculos urinários são mais frequentes nos homens do que nas mulheres e acomete indivíduos em todas as faixas etárias, com pico de incidência entre os 30 e 60 anos. A prevalência aumenta com a idade e varia regionalmente entre as etnias, sendo mais comum nos caucasianos do que nos asiáticos, hispânicos e afrodescendentes.

Estudos recentes demonstram associação entre síndrome metabólica e litíase urinária, sendo um dos fatores que podem explicar o aumento na incidência de cálculos urinários nos últimos anos, considerando as mudanças no estilo de vida ocorridas, caracterizadas por aumento da ingesta calórica, de proteínas de origem animal e sódio. 

Os avanços revolucionários no controle minimamente invasivo e não invasivo da doença calculosa, nas duas últimas décadas, facilitaram os tratamentos para remoção dos cálculos urinários. Contudo, tratamentos cirúrgicos, embora removam o cálculo, fazem pouco para alterar a evolução da doença, sendo de extrema importância a avaliação metabólica desses pacientes para direcionar o tratamento medicamentoso e mudanças no estilo de vida. Pacientes sem seguimento adequado apresentam taxas de recorrência de até 50% em cinco anos. 

Como se originam os cálculos urinários? 

Existem múltiplas teorias relacionadas à formação dos cálculos e um aspecto assume papel central na sua gênese: supersaturação de substâncias usualmente solúveis na urina. Aumento nos níveis de excreção urinária de cálcio, ácido úrico, oxalato e cistina, decorrentes de maior excreção renal e/ou baixo volume urinário, causam excesso de soluto. O resultado é a supersaturação urinária dos solutos e precipitação, resultando na formação de cristais, que podem se agregar, formando cálculos. Além disso, a redução urinária de substâncias inibidoras da formação de cálculos (magnésio, citrato, pirofosfato) também está relacionada na patogênese da doença. Fatores relacionados à dieta, como baixa ingesta de cálcio e água e alta ingestão de oxalato, sódio e proteínas de origem animal, estão relacionados à gênese da litíase. Baixa ingesta hídrica está intensamente relacionada à formação dos cálculos urinários e atribui-se, dentre outros fatores, ao baixo volume urinário o papel principal na supersaturação dos solutos, condição importante na patogênese.

Anomalias anatômicas associadas à obstrução e/ou estase urinária, como rim em ferradura, estenose da junção ureteropélvica e rim espongiomedular, estão associadas a maior incidência de litíase urinária. Alguns tipos de cálculos também podem ser induzidos por medicamentos, seja por efeito direto, como resultado de precipitação do medicamento ou seu metabólito, ou indireto, ao alterar o ambiente urinário, tornando-o favorável à formação dos cálculos. Exemplos de medicações relacionadas são triantereno, topiramato, indinavir.

Cálculos de estruvita (fosfato amoníaco magnesiano) são formados em pacientes com infecção urinária persistente ou recorrente por bactérias produtoras de urease, como Proteus sp. e Klebsiella sp. A quebra da ureia por tais bactérias fornece um ambiente urinário alcalino e concentrações suficientes de carbonato e amônia para induzir a formação dos cálculos infecciosos.

Quais são os tipos de cálculos urinários? 

O cálcio é o elemento mais comum dos cálculos urinários, sendo o principal componente em aproximadamente 80% dos casos. A tabela abaixo resume os principais elementos. É importante lembrar que um mesmo paciente pode apresentar mais de um tipo de cálculo concomitantemente. Cálculos associados a medicações (fármacos) são raros. 

Qual a apresentação clínica? 

Para fins didáticos, dividiremos o quadro clínico da litíase urinária quanto à topografia anatômica – renal, ureteral e vesical (na bexiga). 


Os cálculos renais podem ser de diversas formas e tamanhos. O quadro clínico da litíase renal pode ser variável. Quando o cálculo renal está localizado nos cálices renais sem causar obstrução, geralmente é assintomático. Entretanto, quando causa obstrução segmentar do infundíbulo calicial ou da junção ureteropiélica (JUP), pode causar dor lombar de forte intensidade com hematúria associada.

Existem também os cálculos coraliformes, que são cálculos que crescem lentamente, sem causar obstrução aguda e geralmente não levam a quadros dolorosos importantes, mas costumam estar associados a infecções do trato urinário (ITU) de repetição, ocorrendo mais frequentemente em mulheres do que em homens. Esse nome, coraliforme, vem do fato desses cálculos assumirem a forma da via excretora, lembrando um coral.

Nos pacientes com cálculos renais não obstrutivos e assintomáticos, geralmente o exame físico é normal. Quando o cálculo é obstrutivo, podemos evidenciar a dor lombar com o sinal de punho-percussão. Esse sinal, chamado de Giordano, é considerado positivo quando a punho-percussão da região lombar do lado afetado é dolorosa. Queda do estado geral, febre, emagrecimento e palidez cutânea podem ser encontrados nos pacientes com cálculos renais complicados com infecção urinária ou insuficiência renal associada, quando há cálculo obstrutivo bilateral ou cálculo obstrutivo em rim único.


Classicamente, o paciente com cálculo ureteral apresenta a famosa cólica renal que consiste na dor lombar de forte intensidade, muitas vezes associada a náuseas e vômitos e hematúria. Essa dor lombar pode irradiar para o flanco e fossa ilíaca ipsilateral ao cálculo ureteral. Quando o cálculo ureteral está na topografia do ureter distal, a dor pode irradiar para a região genital (testículo ou grande lábio) e simular sintomas de cistite como disúria e polaciúria. Quando o cálculo ureteral unilateral ou bilateral associa-se com infecção urinária, pode levar a um caso grave de sepse associando febre, inapetência e calafrios aos sintomas de cólica renal já relatados. Pacientes que possuam cálculos ureterais bilaterais podem cursar com dor bilateral e mesmo oligúria ou anúria com insuficiência renal aguda.


O cálculo vesical (da bexiga) costuma produzir sintomas de dificuldade miccional com jato urinário entrecortado ou interrupção abrupta da micção. Pode associar-se a hematúria ou infecção urinária. É importante verificar na história deste paciente fatores que podem predispor ao cálculo vesical, como alterações urinárias congênitas, bexiga neurogênica e a hiperplasia prostática benigna. Essas condições podem causar estase urinária e, assim, criar condições propícias para o surgimento do cálculo vesical.

Como fazer uma avaliação diagnóstica?

São importantes na investigação do paciente com litíase urinária:

- Hemograma, procurando evidenciar se há anemia ou leucocitose associadas;

-Ureia, creatinina, sódio e potássio para monitorar função renal e alterações eletrolíticas;

-Sumário de urina e urocultura com antibiograma para rastrear hematúria e leucocitúria, bem como a associação com infecção urinária.


Exames específicos também podem ser importantes e devem ser solicitados nos pacientes com alto risco de recorrência da litíase:

-Análise cristalográfica do cálculo urinário;

-Cálcio, ácido úrico e PTH séricos.

- Ultrassonografia de vias urinárias e radiografia simples de abdome devido ao baixo custo, maior disponibilidade e baixa radiação podem ser utilizados como exames iniciais.

-Tomografia computadorizada: é o método de imagem com melhor custo-efetividade para litíase urinária. Esse exame apresenta sensibilidade e especificidade ao redor de 95 e 98%, respectivamente. Além disso, revela dados adicionais como a estimativa da dureza do cálculo – atenuação medida em unidades Hounsfield, distância entre o cálculo e a pele, processos inflamatórios na unidade renal afetada, bem como diagnósticos diferenciais de cólica renal como diverticulite, apendicite aguda e cistos ovarianos rotos.

Em pacientes gestantes, deve-se evitar o uso de radiação; desta maneira, a ultrassonografia urinária torna-se o exame radiológico de preferência.

Como tratar os cálculos renais?

O tratamento da litíase pode ser clínico ou cirúrgico. No paciente com cólica renal, a primeira medida é aliviar a dor e a estabilização do doente com analgesia e hidratação venosa. Caso haja suspeita de infecção urinária, deve-se iniciar antibioticoterapia logo após a coleta da urocultura.


Nos casos em que o paciente apresente cálculo ureteral distal menor que 7 mm, pode-se utilizar tratamento medicamentoso expulsivo com a intenção de facilitar esta eliminação. Para tanto, a medicação mais utilizada tem sido o alfabloqueador associado a analgesia. Vários estudos sugerem que seu uso pode auxiliar na eliminação de cálculos ureterais tanto em homens como em mulheres. Essa conduta tem sido questionada recentemente, mas os guidelines das associações americana e europeia de urologia ainda mantêm esse tratamento como aceito. Convém lembrar que esse uso é off label, ou seja, não consta da bula da própria medicação e esse fato deve ser explicado ao paciente.

Ainda quanto ao tratamento clínico da litíase urinária, existem medidas curativas e preventivas. As medidas curativas destinam-se à dissolução de cálculos já formados e têm alcance limitado, sendo úteis nos cálculos de ácido úrico.

Quanto às medidas preventivas, existem medidas gerais, que devem ser orientadas para todo portador de litíase urinária. O paciente portador de litíase deve tomar líquidos suficientes para urinar pelo menos dois litros ao dia. Isso significa que o paciente deve tomar mais de dois litros de líquidos ao dia e, em dias quentes ou situações em que perca mais líquidos como atividade física, com certeza deve ingerir de três a quatro litros ao dia. Deve-se preferir a ingestão de água ou sucos naturais de laranja e limão, evitando sucos artificiais e refrigerantes. Outras medidas importantes são: reduzir ingesta de sal a 3 a 5 g/dia, atividade física moderada e evitar sobrepeso. 

Medidas específicas podem ser propostas com base na análise química do cálculo, investigação metabólica e presença de infecção urinária associada. O cálculo de ácido úrico é o único passível de dissolução com o tratamento clínico. O objetivo é alcalinizar a urina, elevando o pH urinário para valores entre 6,1 e 6,8 (os cristais de urato precipitam-se em pH ácido), e reduzir a carga de urato na urina.



Litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LECO)

A LECO é uma modalidade de tratamento não invasiva que surgiu em 1980 na Alemanha. Consiste na fragmentação de cálculos por meio de ondas acústicas de alta intensidade e baixa frequência a partir de uma fonte externa de energia. Possui a vantagem de ser uma alternativa de tratamento ambulatorial. Entretanto, suas taxas de sucesso são menores quando comparadas às terapêuticas mais invasivas, que descreveremos a seguir.

A LECO está classicamente indicada nos cálculos renais de até 2 cm e de baixa densidade. Existem contraindicações à LECO: gravidez, ITU não tratada, coagulopatia, arritmia não controlada e aneurisma de aorta abdominal maior que 4 cm.


Cistolitotripsia endoscópica

Método em que utiliza-se um sistema óptico acoplado a uma microcâmera, com o equipamento chamado cistoscópio introduzido pela uretra retrogradamente. Para cálculos intravesicais, utiliza-se a fragmentação com um laser específico chamado Holmium Laser com fibras calibrosas que permitem fragmentar e pulverizar o cálculo com maior eficiência.


Ureteroscopia semirrígida

Método descrito pela primeira vez em 1912 e aprimorado principalmente na década de 90 com a confecção de aparelhos mais adequados. Utiliza-se um equipamento fino e semirrígido introduzido por via uretral e, a seguir, progride-se para a luz ureteral. Chegando ao cálculo ureteral, este é fragmentado com uma fonte de energia, seja o Holmium Laser ou um litotridor balístico. Os fragmentos do cálculo são removidos com um basket ou pinças.

Essa alternativa de tratamento é muito utilizada nos cálculos ureterais nos terços médio e distal do ureter. Após a resolução do cálculo ureteral, usualmente deixamos um “duplo J” – prótese ureteral tubular que permite ao ureter manter sua perviedade e cicatrizar o local em que o cálculo estava impactado. Quando a ureteroscopia semirrígida foi executada sem maiores intercorrências, este duplo J é retirado após uma ou duas semanas.


Ureterorrenoscopia flexível

Esta técnica progrediu e ganhou desenvoltura nas duas últimas décadas, principalmente com o desenvolvimento de ureteroscópios flexíveis com melhor imagem e maior durabilidade do equipamento. Utilizamos também como fonte de energia para fragmentar o cálculo o Holmium Laser. Este tratamento é utilizado geralmente em cálculos renais menores que 2 cm ou cálculos ureterais proximais.


Nefrolitotripsia percutânea

A nefrolitotripsia percutânea teve seu início em 1976 e, atualmente, é o procedimento de escolha para o tratamento de cálculos renais maiores que 2 cm, cálculos de 1,5 cm localizados em cálice inferior e cálculos coraliformes.

Consiste em uma técnica com uma incisão de cerca de 1 cm na região lombar do lado do rim acometido através da qual punciona-se o rim com uma agulha direcionada ao cálice renal guiada por radioscopia e/ou ultrassonografia, dilata-se o trajeto da pele até o rim e introduz-se uma bainha através da qual progride-se um equipamento chamado nefroscópio acoplado em uma microcâmera. Com este nefroscópio, o cálculo é localizado e fragmentado com um litotridor ultrassônico, retirando os fragmentos com a bainha. Casos mais complexos podem necessitar de mais de uma incisão e punção renal.


Videolaparoscopia (VLP)

A VLP tem um papel muito importante na Urologia moderna e pode ser útil no tratamento de alguns casos de litíase urinária. Cálculos de ureter muito grandes (maiores que 1,5 cm) em topografia proximal podem ser tratados por VLP. Além disso, grandes cálculos de pelve renal também podem ser tratados por VLP. Nestas situações, o cálculo geralmente é removido inteiro sob visão laparoscópica e a via urinária, seja a pelve ou o ureter, é suturada. Rins com litíase e que já perderam sua função e tornaram-se um bolsão hidronefrótico também podem ser submetidos a nefrectomia por VLP.


Cirurgia aberta

A cirurgia aberta já ocupou um papel fundamental no tratamento da litíase urinária. Entretanto, com o desenvolvimento tecnológico citado anteriormente, hoje corresponde a cerca de 1% das cirurgias nos grandes centros de atendimento urológico. Casos muito complexos ou locais que não possuam estrutura tecnológica podem ser tratados com eficiência pela cirurgia aberta.